Camarote é lugar para brincar e fazer negócio
Valor Econômico
A conversa começou despretensiosa. Na hora de se servir no camarote da Mapfre Seguros na Marquês de Sapucaí, no ano passado, Winston Pegler cedeu a vez a um simpático desconhecido. Sem desconfiar de quem se tratava, mas animado com o jeito piadista do interlocutor, Pegler, sócio da Ray & Berndtson, multinacional especializada no recrutamento de altos executivos, engatou uma conversa rápida, mas decisiva.
"Não imaginava que em um papo bem humorado de cinco minutos eu fosse descobrir o presidente de uma multinacional que, por acaso, estava à procura de uma empresa de 'hunting'", diz Pegler. Embalada pelo samba-enredo que vinha da avenida, a troca de cartões encerrou a conversa com o até então desconhecido, que hoje integra a carteira de clientes da Ray - e cujo nome é mantido em sigilo.
O caso de Pegler não é isolado. Mesmo oficialmente em descanso, há empresários e executivos que aproveitam a folia para entabelar um novo negócio. As próprias patrocinadoras dos camarotes, como a Unimed Rio, aproveitam o ensejo para tornar um convidado parte da clientela. Foi assim no carnaval 2007 com a escola de idiomas CCAA, cliente responsável por um contrato de mil vidas. A escola já estava negociando com a Unimed Rio, mas bateu o martelo meses depois. "É uma oportunidade de mostrarmos um outro lado da empresa, mais descontraído, o que costuma facilitar o processo de negociação", diz Marcelo Furlin Giannubilo, superintendente de marketing e desenvolvimento da Unimed Rio.
Neste ano, a seguradora espera 240 convidados para cada uma das duas noites na Sapucaí - metade deles representa pessoas jurídicas. São clientes, fornecedores e possíveis clientes, que contam com uma van para levá-los e trazê-los do camarote, abastecido pela quituteira Neca Mena Barreto, das 19h30 às cinco da manhã. A conta não é pequena: o custo do camarote soma R$ 2,5 milhões. Mas compensa, garante Giannubilo. "Quem não é cliente acaba se tornando um e, entre as pessoas físicas, aumentamos as vendas em 10% no mês do carnaval", diz ele, lembrando a exposição da marca na avenida.
Estreante nos camarotes cariocas, a Ticket Refeição está pronta para receber seus principais clientes, cerca de 40, entre as 500 maiores empresas do país. A fornecedora de vale-refeição, líder de mercado, também comprou 40 fantasias da escola Vila Isabel, além de 250 ingressos na arquibancada, tudo para presentear pessoas jurídicas.
"Para o camarote e a ala da Vila Isabel, convidamos grandes clientes que queremos cativar", diz o diretor de marketing e produtos da Ticket, Reynaldo Naves. A arquibancada foi oferecida para donos de estabelecimentos comerciais, em geral restaurantes e padarias, que recebem o principal produto da Ticket como pagamento. "Procuramos atender clientes de todo porte" afirma Naves.
Quem não tem um camarote exclusivo abre espaço em alguma recepção badalada. É o caso do Bank of New York-Mellon (BNY-Mellon), que convidou cerca de 50 clientes para o camarote da Nova Schin, da Schincariol, do qual é parceiro pelo segundo ano consecutivo. Os principais executivos do banco estarão a postos. "Queremos manter a base de clientes, mas não vamos descartar futuros negócios", diz Zeca Oliveira, presidente executivo do New York-Mellon para o Brasil e a América Latina. Um dos convidados é Ricardo Salinas, dono de uma das maiores fortunas do México e da rede de varejo Elektra.
Existe quem procure trabalhar e se divertir ao mesmo tempo. É o caso de Ricardo de Souza, diretor de marketing da multinacional de bebidas Pernod Ricard. O itinerário do executivo para os próximos dias é alucinante: embarca hoje à noite para Recife (PE), para acompanhar no sábado o Galo da Madrugada, o maior bloco carnavalesco do mundo, patrocinado pelo rum Montilla, marca que também está estampada na festa de rua de Olinda, para onde Souza viaja ainda no sábado. No domingo de manhã, embarca para o Rio, onde recepciona convidados da Pernod no camarote Rio, Samba e Carnaval, do Grupo RSC, nas noites de domingo e segunda. Na terça volta para o Nordeste, agora com destino a Salvador, onde a marca Ballantine's, da Pernod, estará em dois dos camarotes patrocinados.
A mulher de Souza, Candice, vai junto. "Ela se diverte mais do que eu", entrega. "Mas existem coisas no carnaval, principalmente em Recife, que são imperdíveis para o nosso dia-a-dia no escritório". Entre elas, o apreço que o público tem pelo produto. "Eles levantam a garrafa quando o trio elétrico passa, não tem relatório Nielsen capaz de contar isso", afirma.
Sem pensar em reuniões e planejamento de marketing, o francês Patrick Sabatier, diretor de relações institucionais da L'Oréal para a América Latina, conta as horas para o seu vigésimo desfile na escola de samba Mangueira. Mesmo com puro interesse na diversão, Sabatier, que mora no Brasil desde 2006, diz que os desfiles renderam lições para os negócios. "A experiência me ensina sobre o Brasil, é uma verdadeira aula de organização, resultado, criatividade e da capacidade de fazer várias coisas ao mesmo tempo", afirma Sabatier, que admira o espírito de equipe da escola, voltada a um objetivo comum. Sob sua influência, a mulher e os amigos de Sabatier se tornaram mangueirenses doentes. "Meu filho de dois anos será o próximo, com um lugar na escola mirim Mangueira do Amanhã", diz.
Alexandre Colombo, diretor de expansão e novos negócios da Piraquê, avisa que deixa o crachá do lado de fora da avenida, mas não deixa de aprender. "Na escola, sou apenas um dos 300 integrantes da bateria que precisam ter disciplina e responsabilidade, caso contrário, recebem bronca", diz o neto do fundador da Piraquê. "É um exercício de humildade".
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