Consumidor parcela tudo, até o arroz com feijão
Valor Econômico
A disseminação das compras parceladas no cartão de crédito, que começa a ser procurada pelos consumidores até para o pagamento de alimentos e itens de uso diário nos supermercados, provoca mudança silenciosa na gestão dos negócios no varejo. "Antes, dizia-se que os supermercados eram o melhor negócio do mundo: as empresas compravam a prazo e vendiam à vista", afirma Martinho de Paiva Moreira, diretor da Associação Paulista de Supermercados (Apas). Hoje, a situação inverteu-se. Os supermercados precisam pagar seus maiores fornecedores praticamente à vista, mas seus clientes querem, cada vez mais, pagar a conta em prestações.
O setor precisou adequar-se à realidade do varejo, afirma o diretor da Apas, que realiza nesta semana, em São Paulo, a sua conferência anual, considerada um dos eventos mais importantes do negócio supermercadista do país.
Segundo uma pesquisa realizada pela entidade e concedida com exclusividade ao Valor, 35% dos consumidores buscaram crédito nos supermercados em 2007. Essa fatia é 5 pontos percentuais maior do que a de 2006. "A demanda por crédito foi a que mais cresceu dentre todas as modalidades de serviços oferecidas nas lojas", disse Moreira.
Como as demais cadeias - redes de vestuário, eletroeletrônicos, artigos para casa e lojas virtuais - passaram a vender em três, quatro e até em doze parcelas no cartão, o varejo de alimentos está seguindo o mesmo caminho. "O orçamento dos consumidores está muito comprometido com as prestações", afirma o diretor da Apas.
Julio Lopes, diretor de marketing do Sonda, afirma que a rede de supermercados parcela as compras em três vezes no cartão com a sua marca própria e em duas vezes no cartões de terceiros com a bandeira MasterCard, com qual a empresa firmou uma parceria.
Muitos fornecedores, no entanto, ainda dão prazos curtos para o pagamento dos pedidos. "Uma grande indústria de sabão em pó e uma grande fabricante de refrigerantes só dão 14 dias de prazo", diz Martinho.
O fenômeno do crédito deve acelerar o processo de concentração. Atualmente, com o descasamento entre os prazo de pagamento e recebimento, as varejistas precisam fazer uma gestão ainda mais rigorosa do fluxo de caixa. A tarefa é mais fácil para as grandes varejistas do que para as pequenas redes, que não têm tanto fôlego financeiro e poder de barganha com os fornecedores. Em muitos segmentos, a indústria encontra-se em um estágio mais avançado de concentração do que o varejo. Estima-se que 158 fornecedores respondam por 80% das vendas totais dos supermercados.
O Carrefour e o Grupo Pão de Açúcar decidiram investir na concessão de crédito. O Wal-Mart preferiu vender a totalidade do capital da HiperCard, ex-emissora de cartões da rede Bompreço, para o Unibanco, em 2004. O Carrefour abriu o seu próprio banco, enquanto o Pão de Açúcar firmou uma joint venture com o Itaú.
Em março, a carteira de recebíveis da FIC, a financeira do Pão de Açúcar, já totalizou R$ 1,3 bilhão, cifra 48% maior que em março de 2007, e atingiu uma base de 5,6 milhões de clientes . Segundo o Carrefour, a rede possui hoje uma carteira de 8,5 milhões de cartões marca própria (private label).
Segundo Fernando Chacon, diretor de marketing de cartões do Itaú, o número médio de parcelas nas compras efetuadas com cartões de crédito no varejo está entre 3 e 3,5. "A indústria de cartões não faz nenhuma restrição ao valores pagos pelos clientes. Dá para pagar até pedágio com cartão", afirma. Estima-se que já existam 98,6 milhões de plásticos em circulação no Brasil.
O varejo, em muitos casos, utiliza os prazos de 10 e 12 vezes como poderosa ferramenta de marketing, além das microparcelas. A Pernambucanas chega a oferecer prestações de até R$ 1,99 nos seus produtos em oferta.
No varejo de vestuário, a utilização dos cartões já está mais disseminada do que nas redes de supermercados e hipermercados, embora o volume de vendas das lojas de roupas e acessórios seja bem inferior. A base de cartões da Riachuelo atingiu 13,4 milhões em março. A Renner já possui 12,4 milhões de cartões em carteira e, a Marisa, 10 milhões.
No primeiro trimestre, porém, os cartões marca própria tiveram uma menor participação nas vendas para as três redes de vestuário. Isto se explica por dois fatores: as redes abriram muitas lojas no período e não tiveram ainda tempo de capturar os clientes; e elas também estão mais seletivas na concessão dos cartões para evitar o calote.
Segundo Chacon, o tíquete médio nas compras com cartão vem caindo de forma geral. O valor, que era de R$ 79 em 2003, baixou para R$ 76,3 em 2007, sendo que, no período, a inflação foi de 27,3%. Nas compras parceladas nos cartões, porém, o tíquete está aumentando. O valor cresceu de R$ 136 em 2003 para R$ 185 em 2007 nas classes de renda mais baixa, e de R$ 307 para R$ 340 nas classes A e B no mesmo período. Com o parcelamentos, os consumidores têm maior acesso a itens mais caros.
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