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segunda-feira, 20 de agosto de 2007

Califórnia, não. Texas


A avenida João Fiusa, um vasto corredor de 4 quilômetros de extensão na zona sul de Ribeirão Preto, é o melhor retrato do dinheiro novo gerado pela cana-de-açúcar no interior paulista. É na avenida e em seus arredores que brotam empreendimentos dignos da época em que a região era chamada de Califórnia brasileira, nos anos 80. Um exemplo é o terreno de 3 000 metros quadrados onde até pouco tempo atrás havia um milharal, no extremo sul da avenida. No local será erguido, a partir de setembro, um dos mais luxuosos edifícios da cidade. O prédio terá 26 apartamentos de 450 metros quadrados -- um por andar --, e cada um custará 1,4 milhão de reais. A poucas quadras de distância dali, acaba de ser montada uma reluzente concessionária da marca de motos e automóveis BMW, ao custo de 3,5 milhões de reais. É a primeira loja da América Latina a ter a nova configuração adotada nas lojas da Europa e dos Estados Unidos. Ribeirão Preto é responsável por 10% das vendas da marca no país. Do outro lado da rua, o mesmo grupo que detém os direitos da BMW, o BCLV, dá os últimos retoques numa segunda loja, que venderá os modelos da Porsche e da Land Rover e custou 1,7 milhão de reais. Há apenas duas semanas, foi aberta a primeira filial da Enoteca Fasano, importadora de vinhos da família Fasano, que até então só tinha lojas em São Paulo e no Rio de Janeiro. "Vamos para onde está o dinheiro", diz o diretor-geral da enoteca, Eduardo Freschet. Para os habitantes de Ribeirão, a região se parece muito mais com o Texas do que com a Califórnia. E a riqueza trazida pelo etanol se assemelharia (ainda que em proporções infinitamente mais modestas) àquela gerada pelos campos de petróleo.
Se o Brasil fosse uma república do etanol, Ribeirão Preto seria sua capital. Apesar da grande expansão da cana-de-açúcar por novas fronteiras agrícolas, como Mato Grosso do Sul e Goiás, a região de Ribeirão Preto ainda é o principal pólo sucroalcooleiro do país, com cerca de 7% da produção nacional de cana-de-açúcar e 44 usinas instaladas. Cinco das dez maiores produtoras de álcool do país estão na região -- as usinas São Martinho, Santa Elisa, da Pedra, Vale do Rosário e Colorado. Dos 3,5 bilhões de reais destinados ao setor sucroalcooleiro pelo BNDES em 2007, Ribeirão ficou com 860 milhões, o equivalente a um quarto do total. Desde o início da retomada do setor, o produto interno bruto per capita do município -- que tem 600 000 habitantes -- aumentou 25% em comparação a 2000 e passou de 7 666 reais para 10 229 reais (valor relativo a 2004). No mesmo período, a remuneração média no setor agrícola aumentou 51%, ante 33% no resto do estado. Nas usinas, há hoje cargos, entre eles técnicos, com salários de até 40 000 reais.
Conviver com a riqueza não é novidade para a população de Ribeirão Preto. No início do século passado, as fazendas da região geravam 19% da receita do estado de São Paulo, então o maior produtor de café do mundo. O crack da bolsa de Nova York, em 1929, reduziu essa opulência a pó e inaugurou um novo ciclo, baseado na produção de grãos, laranja e cana-de-açúcar, que continuaram a manter os produtores de Ribeirão entre os mais bem-sucedidos do país. O Proálcool, nas décadas de 70 e 80, acarretou uma nova onda de prosperidade, que se esgotou em pouco mais de uma década, com o malogro do carro a álcool. O recente entusiasmo em torno do etanol remete, de certa forma, a essa última onda. "No princípio, muita gente pensou que fosse uma bolha", diz Cícero Junqueira Franco, um dos principais acionistas da Usina Vale do Rosário, que em fevereiro fundiu-se com a Santa Elisa. "Mas, na verdade, é um movimento muito mais sólido, que tem atraído instituições como o banco Goldman Sachs, que acaba de investir 400 milhões de reais em nossa empresa."
NA NOVA ONDA DO ETANOL, AS USINAS DE RIBEIRÃO ressurgiram como potências. São colossos que têm protagonizado algumas das negociações mais eletrizantes do setor. Nos últimos sete meses, três operações envolvendo abertura de capital, fusões e aquisições -- os IPOs das usinas São Martinho e Guarani (pertencente ao grupo francês Tereos) mais a fusão das usinas Santa Elisa com a Vale do Rosário -- movimentaram quase 2,5 bilhões de reais, o equivalente à metade do produto interno bruto anual da cidade de Ribeirão Preto. Apenas a fusão da Santa Elisa com a Vale do Rosário -- dando origem à gigantesca Santelisa Vale, a segunda maior empresa do setor, atrás da Cosan -- envolveu recursos da ordem de 1,3 bilhão de reais, destinados à compra das ações que estavam em poder de 109 acionistas minoritários. "Foi uma operação completamente sui generis, pois pela primeira vez o dinheiro saiu da esfera das empresas e foi parar diretamente nas mãos das pessoas", diz Maurílio Biagi Filho, dono do grupo Maubisa Agrícola. "Quase todos eram fazendeiros ou seus herdeiros, que acabaram investindo em terras ou outros negócios, boa parte deles fora da região. Mas alguns fizeram umas besteirinhas por aí."


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