O clã do etanol
No final dos anos 70, a televisão americana levou ao ar Dallas, um dos seriados mais populares da história. Durante 13 anos, a milionária família Ewing protagonizou uma trama recheada de disputas por poder, negócios opulentos e intrigas familiares. Donos dos maiores poços de petróleo dos Estados Unidos, os Ewing forjaram um império ao mesmo tempo glamouroso e rodriguiano, em que não faltavam brigas entre irmãos, rivalidade com outros grupos e uma incansável busca pela expansão de seus negócios. Em alguma medida, a ficção americana encontrou um paralelo na realidade brasileira. Na região de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, a família Biagi há décadas comanda algumas das maiores usinas de açúcar e álcool do país. Com o recente avanço do mercado de etanol, sua fortuna e seu poder multiplicaram-se de forma surpreendente. Os Biagi tornaram-se um dos maiores expoentes brasileiros do combustível que veio para substituir (ainda que muito parcialmente) o petróleo. Sua influência na região onde estão instalados, porém, vai muito além dos canaviais. Eles são donos de fábricas de equipamentos industriais, engarrafadoras da Coca-Cola e concessionárias de automóveis. Em Ribeirão Preto e nas cidades vizinhas, é comum encontrar avenidas e estradas batizadas com o nome de Maurílio Biagi, o já falecido patriarca do clã. Tamanha opulência e tanto poder acabaram gerando conflito. Em 2005, depois de uma disputa acirrada com os irmãos, o primogênito, Maurílio Biagi Filho, que durante décadas comandou os negócios da família, foi totalmente afastado das empresas. Hoje, com uma administração profissionalizada e uma estrutura de governança que inibe as quedas-de-braço entre os acionistas, o grupo de empresas da família vive seu ápice. A jóia da coroa é a Usina Santa Elisa, fundada há 70 anos em Sertãozinho e eleita a Empresa do Ano de Melhores e Maiores 2007.
No ano passado, o faturamento da Santa Elisa alcançou 361 milhões de dólares -- aumento de mais de 25% em relação a 2006 -- e o lucro líquido ajustado superou 24 milhões de dólares. O motor desse crescimento foi, sobretudo, o avanço do etanol. Considerado uma das melhores opções de energia limpa, o etanol vem ganhando seguidores no Brasil e no exterior (veja quadro na página 29). A vitória da Santa Elisa na premiação de EXAME não apenas representa a força do setor de energia -- no ano passado, esse foi o mercado mais importante do Brasil, segundo Melhores e Maiores, movimentando 155 bilhões de reais -- como simboliza a enorme e benéfica transformação pela qual vem passando boa parte das empresas de açúcar e álcool nos últimos tempos. Um setor que já foi símbolo de atraso hoje coloca o país como protagonista no crescente mercado de bioenergia e atrai alguns dos maiores e mais exigentes investidores do mundo.
A história recente da Santa Elisa é um exemplo primoroso desse movimento. Em questão de meses, a empresa dos Biagi, cuja origem está numa família de italianos que chegou à região no final do século 19, transformou-se no segundo maior grupo produtor de açúcar e álcool do país. O mecanismo utilizado é o mesmo adotado por alguns dos maiores gigantes do capitalismo no mundo: ganho de escala por meio de fusões complexas e bilionárias. Em fevereiro deste ano, a Santa Elisa anunciou a fusão com a usina Vale do Rosário, formando a Santelisa Vale. Juntas, as duas empresas têm faturamento de 1,8 bilhão de reais e lucro de 170 milhões. Em tamanho e faturamento, o grupo só fica atrás da Cosan, do empresário Rubens Ometto, adversário histórico dos Biagi. Cinco meses depois, a Crystalserv, companhia que comercializa açúcar e álcool e é controlada pela Santelisa Vale, assinou um acordo com a americana Dow para formar um dos primeiros pólos alcoolquímicos do mundo. A nova empresa, que deverá começar a produzir em 2011, vai fabricar polietileno com etanol. Poucas semanas depois, a Santelisa Vale fechou um contrato com a unidade de commodities do Goldman Sachs, um dos maiores bancos de investimento do mundo, para receber aporte de 400 milhões de reais que garante à instituição participação de cerca de 17% na empresa. "Vimos uma oportunidade de investir numa companhia líder e que atua num setor de alto crescimento na economia brasileira", afirmou a EXAME o americano Robert Mancini, diretor do Goldman Sachs. Ao ganhar um sócio estrangeiro, a empresa não apenas obtém uma espécie de "credencial" para o mercado mundial de capitais como também pavimenta o caminho rumo a seu IPO. Assim como fez a Cosan, a Santelisa pretende chegar à Bovespa e aproveitar a euforia de investidores dispostos a apostar em empresas de etanol. "Com tantas mudanças, nosso desafio agora é fazer a lição de casa e integrar tudo", afirma André Biagi, de 51 anos, herdeiro da empresa e presidente do conselho da Santelisa Vale.
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