O fim do pesadelo econômico peruano?
Por Tatiana Gianini
EXAME
Inflação superior a 7 000% ao ano, recessão, calote na dívida externa, sucessão de governos populistas e índices de corrupção capazes de se destacar mesmo no duríssimo páreo da América do Sul. Assim era o Peru até um passado não muito distante. Por tudo isso, o país parecia destinado a fazer parte eternamente do clube das economias irrecuperáveis do continente. A esperança de colocar fim a esse pesadelo está depositada numa grande guinada econômica iniciada nos últimos anos. Os resultados, pelo menos até aqui, são promissores. Considerando-se os indicadores atuais, é difícil até acreditar que estamos diante do mesmo país. Sua taxa de inflação em 2006 foi de 1%, a menor da América do Sul. No mesmo período, o PIB evoluiu 8% e as exportações bateram recorde (veja quadro). Entusiasmados com o cenário, alguns analistas batizaram o país de "o novo tigre da economia sul-americana". É uma imagem exagerada. O Peru ainda tem enormes problemas e precisa se mostrar capaz de sustentar esse ciclo de desenvolvimento. Mas, indiscutivelmente, hoje parece muito mais próximo dos exemplos bem-sucedidos do continente, como o Chile, do que de desastres como a Bolívia e o Equador.
A virada econômica do Peru começou a se desenhar no mandato de Alejandro Toledo, que liderou o país entre 2001 e 2006. Durante a campanha eleitoral, ele prometeu aumentar o salário dos funcionários públicos e conceder crédito barato aos agricultores. Ao ocupar a cadeira presidencial, porém, esqueceu o discurso populista para investir no controle dos gastos públicos e num grande programa de privatizações. Toledo entregou a faixa presidencial a Alan Garcia. Velho personagem do cenário político peruano, Garcia já havia ocupado o cargo nos anos 80, com resultados desastrosos, sendo um dos principais responsáveis por levar o país à bancarrota. Em sua nova versão, Garcia fez um mea-culpa dos erros do passado, aprofundou as reformas econômicas de Toledo, ampliou a abertura do país ao comércio internacional e apertou ainda mais o controle dos gastos públicos. Uma de suas medidas nessa direção foi o corte do salário de 17 000 funcionários públicos, incluindo a remuneração do próprio presidente, reduzida à metade. (Uma evidente jogada de marketing político que impressiona boa parte da população.)
ALÉM DA MUDANÇA de mentalidade da classe política, o Peru tem se beneficiado de uma conjuntura externa favorável. O movimento de alta do preço das commodities, por exemplo, gerou um impacto considerável na economia do país, que está entre os maiores produtores mundiais de prata, cobre, zinco e ouro. Puxadas por essa valorização, as exportações peruanas triplicaram entre 2002 e 2006. De qualquer ângulo que se analise hoje a situação econômica do país, é possível identificar indicadores positivos. O índice geral da Bolsa de Valores de Lima registrou valorização de 168,3% no ano passado, recorde mundial no período. Graças a uma emergente classe média, o consumo interno vem crescendo. Em 2006, as vendas de automóveis novos aumentaram mais de 40%.
Depois de décadas de desconfiança gerada pela moratória decretada nos anos 80 pelo governo de Alan Garcia, os investidores estão voltando. A Mall Plaza, uma grande cadeia de centros comerciais do Chile, acaba de anunciar que investirá 138 milhões de dólares em três novos empreendimentos no Peru, nas cidades de Trujillo, Lima e Callao. Outra evidência da mudança da percepção externa é a evolução do risco-país. O índice atualmente está na casa dos 116 pontos -- abaixo dos 317 da Argentina e dos 157 do Brasil. Segundo previsões dos analistas, o Peru pode atingir nos próximos anos o grau de investimento na avaliação da agência Standard & Poor's.
Apesar dos avanços registrados nos últimos anos, alguns dos velhos problemas do país persistem. Mais da metade de sua população de 27 milhões de habitantes -- o equivalente à soma da população dos estados do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul -- encontra-se na faixa da pobreza. O índice de miseráveis nas zonas rurais é duas vezes maior do que o das capitais. A taxa de desemprego é considerada alta, na casa dos 8%. Não bastasse, a maioria dos que têm alguma ocupação atua na informalidade. Na capital, Lima, calcula-se que 80% dos trabalhadores não possuam registro. "O grande desafio peruano é estender os benefícios do crescimento a todas as camadas da população", afirma Eduardo Antenor Morales Ortiz, diretor da escola de negócios da faculdade de economia da Universidade de Lima, no Peru. É isso que vai mostrar se a virada do país é um processo sustentado ou apenas um reflexo da bonança mundial.
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