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sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Classes populares ditam a venda de fralda descartável

Valor Econômico
A cada início de mês, Maria Gorete Gomes de Souza já separa o dinheiro das fraldas descartáveis: com R$ 50, compra dois superpacotes de 100 unidades cada um, em um mercadinho próximo da sua casa, no bairro Jova Rural, zona norte de São Paulo. A quantidade nem sempre é suficiente. "Além do meu filho de dois anos e do mais novo, de sete meses, às vezes a minha filha de três anos também usa", diz Gorete, auxiliar de limpeza que está afastada do trabalho por problemas de saúde. O desembolso com as fraldas é salgado: consome mais de 12% do salário de R$ 400 mensais do marido. Mãe de cinco filhos, Gorete conta que precisa do produto porque sofre de dores na coluna e não teria condições de lavar dúzias de fraldas de pano por dia. Sem chances de escolha, marca não é algo que lhe seduz. "Compro a que for mais barata."
A indústria sabe disso e tem boas razões para tentar resolver essa equação. Segundo pesquisa da Latin Panel, três de cada quatro fraldas descartáveis vendidas no Brasil são adquiridas pelas classes populares, que até bem pouco tempo atrás estavam relegadas às fraldas de pano. Do volume vendido entre julho de 2005 e junho de 2006, os pais da classe C responderam por 51% e, os da classe DE, 24%. Daí o crescimento de marcas menores e mais agressivas e da estratégia dos dois principais players, Procter & Gamble (P&G) e Kimberly Clark, de colocar nas gôndolas versões básicas para concorrer com essas marcas, que conseguem vender uma unidade a R$ 0,25.
No varejo, segundo a Nielsen, o preço médio do produto está em torno de R$ 0,48 - valor 14,3% maior que o de 2003. Ainda assim, a variação do preço da fralda descartável ficou muito abaixo à da inflação medida pelo IPCA, que foi de 28,2% entre 2003 e 2006. Sinal que a palavra de ordem neste segmento tem sido preço. Até agora, o mercado reagiu bem à estratégia: nos últimos quatro anos, a venda do produto saltou 58%, atingindo R$ 1,89 bilhão.
Ainda que as fraldas descartáveis não protejam todos os dias as crianças das classe D e E, o uso esporádico está crescendo. "Pelo menos na hora de dormir e de sair, as mães se apertam e vestem fraldas nos filhos", diz Eduardo Aron, diretor da Kimberly Clark. Prova de que há mais gente entrando nesse mercado é que o segmento popular cresceu 12% em 2006, contra 8,9% do setor como um todo e 7% das fraldas premium.
"O aumento do poder aquisitivo da baixa renda nos últimos anos animou o mercado", diz Luciano Ghilardi, diretor presidente da Tecnicare, de Curitiba (PR). Novata no ramo - foi fundada em 2001 -, a fabricante pegou carona na disparada do consumo pelas classes mais baixas. Faturou R$ 45 milhões no ano passado e pretende atingir R$ 60 milhões este ano só com fraldas e absorventes (as fraldas são 80% do total). Tornou-se sócia de outras duas empresas na fabricação de lenços umedecidos e inaladores e, neste mês, começa a produzir fraldas e absorventes em sua segunda planta, instalada em Lauro de Freitas, região metropolitana de Salvador (BA).
"Queremos aumentar a nossa participação no nordeste do país, onde o consumo vem crescendo acima da média nacional", diz Ghilardi, que investiu R$ 10 milhões este ano - na nova fábrica, na produção de Curitiba e na aquisição de parte do controle da Ultronic (fabricante de inaladores) e da Procare (lenços umedecidos). "Nossa meta é estar entre os cinco maiores competidores até 2012", diz o empresário. Contando com Salvador, a capacidade de produção da Tecnicare está em 1,8 milhão de peças ao dia.
A Aloés, única brasileira entre as líderes de fraldas descartáveis, já conquistou posição de destaque nas principais praças e agora se volta para o Nordeste. "Estamos com apenas 5% de participação nesta região", diz Jorge Zakzuk, diretor de operações da Aloés. A empresa é a terceira colocada no ranking e está à frente da Johnson & Johnson, que inaugurou o mercado de fraldas no Brasil. Zakzuk enxerga oportunidades no Nordeste para os modelos mais baratos, que já não têm apelo nos maiores mercados. "No Sudeste e no Sul, as mães fazem questão da fralda com barreira", diz ele, referindo-se à proteção antivasamento.
Entre 2003 e 2006, segundo a Nielsen, a participação do Nordeste nas vendas aumentou três pontos percentuais, tanto em volume quanto em valor (chegando a 15% e a 16% do total do país, respectivamente). E ainda há muito potencial, segundo o executivo. "Em algumas capitais nordestinas, a penetração de fraldas descartáveis está em 7%", afirma Zakzuk. Para não perder espaço na briga por preço, diz ele, é preciso garantir escala. "O que predomina é a fralda básica, modelo top vende pouco".
Na dianteira do mercado, disputando ponto a ponto a preferência do consumidor, Kimberly e Procter traçaram estratégias específicas. A P&G, líder com 22,6% em volume, tem ampliado o universo de consumidores da Pampers Básica, lançada no Brasil em 2003 - primeiro país em que a empresa testou o produto. Habituada a trabalhar sempre no topo do ranking, com produtos de maior valor agregado, a Procter rendeu-se ao apelo de reduzir a margem em troca dos altos volumes.
Hoje, a linha mais barata da P&G já representa 50% do volume total de vendas de fraldas. Em 2005, representava 40%. A popularização da versão básica da Pampers é visível. No início, o produto atingia a classe C, mas agora chega também à classe D. "As novas tecnologias permitiram baratear as fraldas", diz Pedro Silva, diretor de relações externas da P&G. Ainda assim, a alta presença no mercado premium garante à empresa a liderança do mercado em valor.
A Kimberly tomou a direção oposta: está empenhada em sofisticar os seus produtos com fraldas premium - e desviar o foco da ferrenha briga de preços na base do mercado. Adicionou a assinatura da sua marca internacional Huggies à Turma da Mônica, produto que sempre conseguiu boa penetração entre as classes de menor poder aquisitivo. "A disputa lá embaixo é muito acirrada, são mais de 50 fabricantes", afirma Aron, da Kimberly. "É uma briga regional, que depende da forte negociação com o varejo", completa.
A Ever Green, de São Bernardo do Campo (SP), tem medo de até onde a queda-de-braço pode chegar. "O mercado vem crescendo até agora, mas talvez a indústria perca receita se a batalha ficar só no preço", diz o diretor geral da Ever Green, Amauri Hong. No primeiro semestre de 2007, segundo a Nielsen, o saldo se mantém positivo: crescimento de 11% em volume e 10,3% em valor em relação ao mesmo período do ano passado. Trabalhando forte na periferia, com venda direta ao pequeno varejo, o horizonte da Ever Green também não tem nada de assustador: até 2010, segundo Hong, a capacidade de produção deve dobrar para 800 mil unidades ao dia.

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