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domingo, 25 de maio de 2008

Sufocado por lançamentos, o consumidor "blasé" esnoba o novo

Valor Econômico
Quando Londres e Paris despontaram como grandes metrópoles na segunda metade do século XIX, os estudiosos se assustaram com o fenômeno da "multidão" - Londres havia passado de 1,8 milhão para 4,2 milhões de habitantes entre 1841 e 1891. Georg Simmel, sociólogo alemão, analisou em 1902 o efeito da metrópole na vida mental do indivíduo. Para Simmel, o morador das grandes cidades desenvolve certa indiferença diante do outro, do mundo objetivo, como forma de se proteger às constantes excitações a que é submetido a todo instante. À medida em que recebe grande quantidade de estímulos, a mente do ser humano chega a um tal nível de esgotamento que deixa de reagir a novos apelos. Assume, assim, uma postura indiferente diante do novo, torna-se "blasé" .
Mais de 100 anos depois, o mercado de consumo descobre que Simmel está mais atual do que nunca. Uma recente pesquisa realizada pelo Ibope a pedido da francesa Produto do Ano(PDA), consultoria em marketing que abriu filial no Brasil em 2007, mostra que 41% dos consumidores brasileiros, moradores das principais capitais do Sul e Sudeste do país (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Curitiba), concordam com a idéia de que não existem muitos produtos novos. Na Europa, o nível de insatisfação dos consumidores com o volume de novidades oscila entre 40% e 45%, segundo a PDA. A constatação é, no mínimo, curiosa, já que nunca a indústria lançou tanto e tão rápido. Para especialistas, vivemos um paradoxo: a imensidão de novidades é tamanha que não é assimilada.
"A exigência do consumidor não lhe permite considerar qualquer novidade como relevante", diz o português Antônio Perez, presidente mundial da PDA. Criada há 22 anos na França, a consultoria realiza anualmente uma pesquisa para saber quais produtos são de fato diferentes na opinião do público. Os consumidores avaliam uma lista de itens indicados pela consultoria. Os que são escolhidos recebem um selo vermelho com a inscrição "Eleito produto do ano pelos consumidores", que pode ser usado durante um ano pelo anunciante. "É uma maneira de gerar diferencial no ponto-de-venda, onde a decisão de compra acontece em 75% dos casos", diz Henry Araújo, diretor da PDA Brasil.
No lugar de informar, o excesso de mensagens publicitárias, algo que não existia tão intensamente na época de Simmel, estaria tornando o lançamento uma coisa banal. "O grande 'x' para o marketing nos dias atuais está em comunicar algo que, de certa forma, já é esperado", diz Isabelle Perelmuter, vice-presidente de planejamento da Fischer América. Isso porque, segundo ela, as grandes novidades são eventos singulares - como o lançamento do iPhone, da Apple, que misturou o celular com acesso à internet a um tocador de música digital. "No dia-a-dia, as novidades são pré-requisito para o consumidor, que se mostra mais sensível quando a comunicação faz uso do emocional", afirma. Nesse caso, diz Isabelle, o marketing cria a percepção de que o produto existe. "Mas não necessariamente de que ele é novo".
Ana Paula Cortat, diretora de planejamento da Leo Burnett, concorda que quebrar paradigmas em inovação é algo extremamente difícil. "Hoje o mercado não atende demanda, mas cria necessidades", afirma. Daí o fato de coisas aparentemente supérfluas ganharem grande importância. "Ninguém sabia que precisava de um telefone a tiracolo em tempo integral, até criarem o celular", lembra. O esforço atual das indústrias de bens e serviços é testar inovações, mesmo que não tão relevantes mas que, em algum momento, podem reverberar. "O importante foi a mudança na cabeça do consumidor, que ficou tão acostumado às novidades que perdeu o medo de experimentar e está cada vez mais disposto a isso", afirma Ana Paula.
Na opinião de Marcos Machado, sócio da consultoria Top Brands, as empresas deveriam lançar menos e melhor. "Existe um número excessivo de produtos e só uma parte deles merece mesmo ser comunicada", afirma.
No Brasil, 41% dos consumidores dizem que não há produtos novos no mercado - na Europa a fatia chega a 45%
Para Fábio Mestriner, coordenador do Núcleo de Estudos da Embalagem da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), se o consumidor não percebe o que lhe apresentam como novo é porque as empresas não se esforçaram o suficiente na criação. "Existe muito pouco investimento em inovação nas companhias", afirma o professor. Ainda assim, muita coisa é apresentada como inédita.
Dados do Núcleo de Estudos da Embalagem, que tomam como base as informações do Mintel Group - consultoria inglesa que mede lançamentos em nível global a partir do que chega às gôndolas dos supermercados - indicam a evolução do histórico de lançamentos. Em 2003, 121,3 mil produtos chegaram ao varejo mundial; em 2007, o número mais do que dobrou para 269,3 mil.
No início deste ano, um levantamento apresentado no International New Products Forum 2008, na Irlanda, mostrou que, só em alimentos, são lançados 300 novos produtos por dia.
Para Vera Rita de Mello Ferreira, psicanalista, com especialização em psicologia econômica, por mais que o consumidor não assimile tantas novidades, ele continua comprando. E em ritmo acelerado. "O seu nível de atenção depende das suas necessidades materiais e psíquicas", diz. "Mesmo que, racionalmente, ele saiba que aquilo não será revolucionário na sua vida e não vai resolver os seus problemas, ele compra porque acredita que está tomando uma atitude para solucionar o que lhe aflige", afirma a psicanalista, representante no Brasil da International Association for Research in Economic Psychology (IAREP).
Antonieta Carneiro, diretora de atendimento e planejamento do Ibope Inteligência, responsável pelo levantamento para a PDA Brasil, destaca que, na ordem de relevância dos atributos, os homens preferem os produtos com novas tecnologia, enquanto as mulheres são as mais preocupadas em comprar o que lhes faça ganhar tempo.
E há também a preocupação de recomendar algo de bom que consumiu, prática adotada por mais da metade dos entrevistados (52%). "Na hora de indicar, a qualidade pesa mais do que a relação custo-benefício", diz Antonieta. Sinal que o cidadão da metrópole não é de todo indiferente.

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