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terça-feira, 24 de julho de 2007

Será o fim do emprego?

Marcelo Cherto

Estou convencido de que um consultor digno do título precisa manter a mente aberta e cultivar uma visão sistêmica. Precisa entender de gestão e procurar antever os impactos das soluções que propõe, ser capaz de intuir, de enxergar o que está depois da curva. Por esse motivo, tenho procurado manter contato e trocar idéias e experiências com empresários profissionais dos mais diversos ramos e das mais variadas linhas de pensamento, em diversos países.
Uma das pessoas que me impressionaram, nos últimos tempos, foi o futurólogo americanos Stanley Davis, um estudioso das mudanças que estão ocorrendo na natureza do trabalho e co-autor do livro “Blur”, que está mexendo com a cabeça de muita gente. Tanto que resolvi entrevistá-lo a respeito dos Free Agents (pessoas que trabalham para grandes organizações, mas sem vínculo empregatício, algo que vejo como uma tendência forte) para a newsletter a Franchising & Networking, publicada por minha empresa, à qual tem acesso apenas um círculo restrito de assinantes. Os temas de que tratamos me parecem tão relevantes que considero oportuno reproduzir no varejista.com.
Marcelo Cherto: Na sua visão, quem é um Free Agent, ou “freelancer” (ou “frila”, como diríamos no Brasil)?
Stan Davis: Afora jornalistas e publicitários, até recentemente um Free Agent típico era alguém que trabalhava por conta própria, normalmente exercendo uma função mais braçal do que intelectual. Por exemplo, uma faxineira diarista, um jardineiro, coisas assim. Hoje existem Free Agents em praticamente todos os tipos de atividade. Até mesmo como presidentes ou diretores de grandes organizações. São pessoas que descobriram que podem vender seu talento num mercado muito maior, no qual podem agir individualmente, ou em parceria com outros Free Agents, ou até como integrantes de alguma organização virtual, que se forma, se desmancha e se modifica ao sabor das oportunidades.
M.C.: O que leva alguém a se tornar um Free Agent?
S.D.: Tipicamente, trata-se de alguém que percebe que numa grande corporação o único caminho que leva ao verdadeiro topo é o caminho que leva para fora. Ou seja: que seu talento somente será realmente valorizado fora da grande corporação. Essas pessoas começam mudando de emprego a cada 2, 3 ou 4 anos, pulando de uma grande empresa para outra, atrás de um tipo de satisfação que uma organização desse gênero dificilmente consegue proporcionar a seus empregados. De repente, se dão conta de que, no fundo, estão trabalhando é para si próprias, e não para as empresas de que são empregadas. E de que o mercado aberto é um meio muito mais eficaz de medir o que elas realmente valem. E então dão o grande salto.
M.C.: Como o senhor descreveria o “pano de fundo” desse surto de Free Agents que estamos testemunhando nos EUA e em outros países?
S.D.: Hoje, ocorre um fenômeno interessante: as organizações estão tentando ser grandes e pequenas ao mesmo tempo. Grandes empresas, ao mesmo tempo em que se tornam globais, adotam programas de downsizing, rightsizing e outros mecanismos para reduzir seus quadros. Querem aumentar sua participação no mercado, ao mesmo tempo em que diminuem o tamanho de suas estruturas. Por outro lado, a Internet e a evolução das telecomunicações deitaram por terra o velho conceito de que uma pequena empresa somente pode agir num território geográfico muito pequeno. Hoje, uma pequena empresa, sediada num pequeno em São Paulo, ou em Seattle, pode vender seus produtos ou serviços, por via eletrônica, para milhares ou milhões de consumidores que se encontram nos quatro cantos do planeta. Seu mercado é o mundo todo.
M.C.: Há tempos, li uma declaração sua de que o capital intelectual está se tornando o recurso mais importante da economia. Em termos práticos, como isso afeta a vida de todos nós?
S.D.: O efeito mais notável da valorização do conhecimento é a transformação gradual e contínua das empresas em verdadeiras entidades educacionais. Nos velhos tempos, a atividade escolar de uma pessoa ia, na melhor das hipóteses, dos 7 aos 14 anos de idade. Na Era Industrial, passou a ir do Jardim da Infância até, no máximo, a Pós-Graduação, ou seja: mais ou menos dos 5 ou 6 anos de idade até os vinte e poucos. E isso, para uma minoria. Agora, na Era da Informação, passou a ser para a vida toda: começa quando o indivíduo nasce e vai até ele morrer, independentemente do seu nível hierárquico. Todos precisamos estar aprendendo o tempo todo, com todo mundo e em todos os lugares, em casa, na escola e, principalmente, na empresa onde na qual, para a qual ou com a qual trabalhamos.
M.C.: Embora muitos ainda não tenham se dado conta, é evidente que já existe um “mercado de talentos” funcionando a pleno vapor. Como o senhor acredita que esse mercado vai evoluir?
S.D.: Você tem razão: esse mercado existe e se torna maior e mais sofisticado a cada dia que passa. Cada vez mais, o mercado de talentos vai se comportar como o mercado de ações. Já temos corretores de talentos, que atuam basicamente da mesma forma que os corretores de valores ou de moedas, servindo de “ponte” entre quem tem talento para vender e quem precisa comprá-lo. Já temos “leilões virtuais” de talentos. Já temos exemplos concretos de securitização de indivíduos, ou seja: a emissão e negociação de “ações” de uma pessoa física. Quem investe seu dinheiro nesse tipo de papel está interessado em participar do fluxo de ganhos que se espera que o indivíduo em questão possa gerar no futuro.
M.C.: Como o senhor vê o futuro dessa “securitização de indivíduos”?
S.D.: Por enquanto, só tem acontecido a securitização de algumas poucas estrelas de primeira grandeza do mundo do entretenimento e do esporte. David Bowie é um bom exemplo de pessoa física já securitizada. E, por enquanto, os títulos das estrelas como ele são colocados no mercado através de “private placements”, ou subscrições privadas e fechadas. Da mesma forma que hoje é possível investir em “bonds” ou debêntures de um David Bowie (da pessoa física e não de uma empresa da qual ele participe), acredito que logo será possível comprar títulos emitidos por um Michael Jordan, por exemplo. É o que eu chamo da Primeira Onda da securitização de pessoas físicas. Uma onda que tem o grande mérito de provar que esse instrumento financeiro é viável.
M.C.: E a “onda” seguinte, como será?
S.D.: Dentro de no máximo uma década, teremos a securitização de executivos e de outros profissionais talentosos. Além disso, a subscrição dos títulos tenderá a ser aberta ao público, sendo feita por fundos mútuos de investimento, empresas de venture capital, bancos de investimento e outros investidores institucionais e até mesmo pessoas físicas, tal como hoje ocorre com as ações de empresas. Essa será a Segunda Onda, muito mais poderosa e impactante do que a Primeira.
M.C.: E como é que o mercado vai lidar com os riscos inerentes a esse novo tipo de investimento?
S.D.: Mais ou menos da mesma forma como lida, hoje, com o risco de investir em ações de uma empresa: através de uma análise cuidadosa do desempenho anterior do emissor dos títulos e do mercado em que o mesmo atua e da diversificação. Assim como alguém que investe em ações de empresas deve evitar colocar todos os seus ovos numa única cesta, investindo apenas numa única ação ou em empresas de um único segmento, um investidor em capital humano deverá ser cauteloso na escolha das pessoas em cujo talento vai investir. E sempre procurar investir em mais de uma pessoa de mais de uma especialidade. Uma das formas de assegurar a diversificação seria criar, por exemplo, não apenas um fundo de investimento no talento pessoal de um Michael Jordan, mas um fundo de investimento lastreado nos rendimentos futuros do time inteiro do Chicago Bulls.
M.C.: Como avaliar os riscos e oportunidades oferecidas pelos títulos de um determinado indivíduo?
Estou seguro de que os métodos de cálculo atuarial, ou seja, aqueles usados para calcular os prêmios de seguros, serão muitos úteis, na medida em que permitem prever como indivíduos com determinadas características tendem a se comportar no futuro. No fundo, há tempos apostamos no fluxo futuro de rendimentos das pessoas físicas, ou na sua performance futura. Você quer exemplos? Quando uma instituição financeira concede um empréstimo ou emite um cartão de crédito em nome de alguém, está apostando na capacidade desse alguém gerar rendimentos suficientes para liquidar as próprias dívidas. Da mesma forma, quando uma empresa vende um seguro de vida ou um seguro saúde para alguém, o faz baseada numa expectativa fundamentada em cálculos sofisticados, que permitem, a partir do histórico de vida, dos antecedentes genéticos e até do conhecimento do estilo de vida e dos hábitos dessa pessoa, prever quanto tempo ela viverá ou de que tipos de cuidados médicos poderá precisar a curto, médio e longo prazo. Naturalmente, os advogados e legisladores também haverão de desenvolver instrumentos legais para a proteção adequada dos direitos e interesses dos investidores nos títulos emitidos por pessoas físicas, da mesma forma que já existe proteção para quem investe em ações de pessoas jurídicas.
M.C.: Como será o futuro dos Free Agents?
S.D.: Esse mercado continuará crescendo. Uma coisa puxa a outra: quanto mais Free Agents tivermos, mais empresas estarão interessadas na sua contratação e vice-versa. Logo os bancos de investimento se interessarão por esse tipo de atividade e também os bancos comerciais descobrirão oportunidades de lucrar com esse mercado e desenvolverão serviços e produtos específicos para ele. Simplesmente não faz sentido dizer que o talento das pessoas é o recurso mais importante da economia atual e não dispor de um elenco de instrumentos que viabilizem a compra, a venda e a alavancagem desse recurso. Historicamente, sempre que um ativo importante é identificado, um mercado tem sido criado para ele. Portanto, aos poucos irão surgindo novas formas de financiamento, de corretagem e de alavancagem de talentos, tais como “bancos de talentos”, ainda mais sofisticados do que as empresas que hoje já desempenham essa tarefa de ligar oferta e demanda desse tipo de ativo.
M.C.: Que outras mudanças o senhor prevê para esse mercado?
S.D.: Mais e mais organizações contratarão Free Agents, primeiramente para desempenhar tarefas vistas como muito específicas, como, por exemplo, gerenciar seus departamentos de Tecnologia da Informação ou cuidar de seus sistemas de Gerenciamento do Conhecimento . Porém, logo se darão conta de que podem também contratar Free Agents para atuar por um prazo determinado como Diretores Financeiros ou Diretores de Operação. E até mesmo como Presidentes. Na verdade, já há pequenas empresas, nos EUA, cujos acionistas contratam Free Agents para presidí-las por um período fixo, com determinadas metas e objetivos a alcançar ou determinados problemas a resolver. Logo, as grandes empresas passarão a fazer a mesma coisa. É só uma questão de tempo.
M.C.: O senhor vê alguma semelhança entre o Franchising e os Free Agents?
S.D.:Nunca haviam me perguntado isso antes. Eis aí uma questão bastante interessante. Um franqueado não pode ser confundido com um Free Agent, mas não há dúvida de que existem muitas semelhanças entre ambos. Afinal, muitos franqueados também são pessoas que resolveram deixar para trás posições confortáveis numa grande organização para ganhar um domínio maior sobre seus próprios destinos. Como um Free Agent, um franqueado vive, ao mesmo tempo, uma situação de equilíbrio entre a independência e a interdependência. E uma franquia consegue dar a seu proprietário a possibilidade de, simultaneamente, ser parte de uma grande organização e de uma pequena empresa, aproveitando o melhor dos dois mundos, exatamente como acontece com os Free Agents. No fundo, há mais pontos de contato do que divergências. Franqueado e Free Agent são como a mão e a luva.Marcelo Cherto, especialista em franquias e outros canais de marketing, é CEO da Divisão Latino-Americana da I-F Consulting, Presidente do Instituto Franchising e da Cherto Networking, professor de franchising da FGV/SP e autor de vários livros.
e-mail: marcelo@cherto.com.br
home page: www.cherto.com.br
fone: (11) 3171-0008

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