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sábado, 25 de agosto de 2007

Quando o encanto acaba

A gigante de telefonia americana Motorola é famosa por lançar de tempos em tempos aparelhos revolucionários que chacoalham o mercado. Foi assim com o primeiro telefone celular portátil, em 1983, e com o revolucionário StarTAC, o primeiro celular de dimensões reduzidas e em formato flip, em 1996. No entanto, também é notória sua dificuldade em tirar proveito dessas inovações para consolidar-se na liderança do mercado global. É como se seu sucesso só viesse aos soluços. O mais recente exemplo dessa sina é o RAZR V3, o celular lançado em 2004 que se transformou em ícone e vendeu mais de 50 milhões de unidades desde então. Responsável pelos bons resultados da Motorola nos últimos três anos, o modelo, que já foi anunciado por celebridades como o jogador David Beckham e o cantor Bono, começa a dar sinais de obsolescência -- e a Motorola ainda não tem outro produto de impacto para substituí-lo. O sinal mais evidente da fadiga do RAZR V3 é a queda expressiva no faturamento da empresa. As vendas caíram 30% no último trimestre em comparação ao mesmo período do ano passado, e o prejuízo acumulado desde janeiro passa de 200 milhões de dólares. Como conseqüência, a Motorola acaba de perder para a coreana Samsung a segunda posição em vendas de aparelhos no mundo -- a líder é a finlandesa Nokia.
A principal falha na estratégia da Motorola foi a confiança de que o encanto do RAZR seria suficiente para sustentar o crescimento da empresa em um mercado de concorrência feroz. "A empresa apostou tudo no aparelho e seus derivados", diz Alejandro Pinedo, diretor-geral do escritório brasileiro da consultoria Interbrand, especializada em avaliação de marcas globais. "O RAZR tem perdido seu apelo, e a marca Motorola, que está fortemente associada a ele, tem se esgotado." No último ranking da Interbrand, divulgado há duas semanas, a Motorola ficou entre as cinco marcas que mais se desvalorizaram em 2007 -- e o motivo apontado pelos analistas da consultoria foi justamente a dificuldade de oferecer alternativas a seu velho campeão de vendas. A empresa caiu oito colocações no ranking e teve o valor de marca corroído em 10%. Nos últimos três anos, a Motorola basicamente se dedicou a reproduzir o desenho de linhas elegantes do RAZR em outros modelos, avançando pouco em detalhes cruciais, como conexão com internet, recepção e envio de texto e música -- áreas dominadas pela BlackBerry e pela Nokia.
AS DIFICULDADES ENFRENTADAS pela Motorola mostram quanto a inovação é crucial no setor de tecnologia, em que os produtos envelhecem rapidamente e as empresas precisam sintonizar -- e não raro antecipar -- os desejos dos consumidores. Essa é uma lição seguida à risca pela Apple, uma das empresas mais inovadoras do mundo. Desde que lançou o iPod, em 2001, a companhia de Steve Jobs garantiu a sobrevivência do produto e sua liderança de mercado com sucessivos aperfeiçoamentos e um ritmo constante de evolução. Em apenas seis anos, a Apple lançou cinco gerações do aparelho, que tranformaram o iPod atual em um produto bem diferente do modelo original -- o tocador de música gordinho com capacidade para apenas 5 gigabytes de dados deu lugar a um aparelho menor, com capacidade quase 20 vezes maior e recursos como exibição de fotos e vídeos. Não à toa, o iPod detém 70% do mercado de aparelhos de música digital. Com mais de 100 milhões de unidades vendidas desde o lançamento, o iPod acabou abrindo caminho para outros produtos da empresa, transformados em objeto de desejo para aficionados de tecnologia. Esse é um dos motivos para o frisson em torno do lançamento do iPhone, há um mês, que levou milhares de pessoas a formar filas gigantescas nas lojas da marca nos Estados Unidos. "A Apple é capaz de agregar qualidades que renovam o interesse do consumidor pelo produto, em um ritmo que os concorrentes simplesmente não conseguem acompanhar", diz o designer Alex Lipszyc, diretor da Escola Panamericana de Arte e Design, em São Paulo.
Para a Motorola, a inspiração no RAZR é uma estratégia que não deve mudar tão cedo, mesmo que isso lhe custe a liderança em mercados importantes -- entre eles o Brasil, onde perdeu o posto de líder do ranking de vendas para a Nokia, há dois meses. "Não acreditamos que a empresa tenha problemas com inovação", diz Enrique Ussher, presidente da Motorola no Brasil. "Repetir as características do RAZR em novos modelos é uma opção deliberada e deve continuar." No Brasil, cerca de 70% do portfólio de produtos da empresa ainda tem forte inspiração no RAZR (mas com certo exagero de consoantes em seus nomes). Um exemplo é o KRZR K1, que mantém as características básicas de desenho do antecessor, mas é feito de materiais diferentes, como cromo, magnésio e vidro, além de ter recursos tecnológicos mais avançados. Outro é o RIZR Z3, um celular recém-lançado no país e uma espécie de RAZR com tela deslizante. É o primeiro modelo Motorola a usar esse recurso. Com preços entre 700 e 1 000 reais, os telefones são uma aposta da empresa para firmar-se na faixa mais rentável do mercado e com isso pelo menos compensar a perda de vendas para a Nokia -- que segue imbatível na venda de telefones mais populares e começa a se consolidar também entre os mais caros.

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